A Tal Reforma Triburária Possível

Em artigo publicado na edição de 22 de setembro, o Dr. Antonio Kandir faz a defesa da proposta de reforma tributária feita pelo governo, sintetizando os seus objetivos e os principais itens dos projetos em andamento no Congresso Nacional. Tais medidas, a pretexto de simplificar e racionalizar o sistema, teriam por objetivo estimular ‘‘o investimento produtivo, na perspectiva de integração crescente da economia brasileira na economia global”.

Em artigo publicado na edição de 22 de setembro, o Dr. Antonio Kandir faz a defesa da proposta de reforma tributária feita pelo governo, sintetizando os seus objetivos e os principais itens dos projetos em andamento no Congresso Nacional. Tais medidas, a pretexto de simplificar e racionalizar o sistema, teriam por objetivo estimular ‘‘o investimento produtivo, na perspectiva de integração crescente da economia brasileira na economia global”.

Parece-nos que as propostas ali defendidas deixam de atacar o principal problema enfrentadn pelo atual sistema constitucional tributário: a evasão de receita tributária e, especificamenre, a sonegação fiscal, verdadeiro câncer que corrói qualquer sistema tributário.

Efetivamente, no sistema atual há um excessivo número de tributos e um incomensurável número de contribuintes ‘diretos” (aqueles que recolhem diretamente ao erário), fatores que, dificultando sobremaneira a fiscalização, tornam expressivos e assustadores os atuais índices, de sonegação e de inadimplência. De fato, tais fenômenos deixaram de constituir exceção para firmar regra de conduta para inúmeros contribuintes.

Ora, se a necessidade do Estado de obter receita não diminui, a evasão de receita coloca o ente tilbutante diante de um dilema: ou ‘aciona com rigor os braços da “fiscalização” ou aumenta ainda mais a carga tributária sobre aqueles que pagam tributos (o que também implica estimular a inadimplência).

No atual sistema tributário, qualquer que seja a alternativa adotada, o certo é que cada vez mais uns pagarão tributos por conta daqueles que não pagam.

Neste contexto, o equilíbrio de todo o sistema fica comprometido, posto que a capacidade contributiva dos contribuintes (daqueles que pagam tributos) não corresponde à necessidade do Estado de obter receita. Em outras palavras, se não for atacada, a sonegação fiscal continuará exigindo a criação de novos tributos, o aumento da carga tributária etc., o que reverte em incerteza econômica e, consequentemente, em desestímulo ao “investimento produtivo’’.

De outro lado, combatendo o que já se pode chamar de “cultura da sonegação”, talvez seja possfvel contar com um sistema estável e, possivelmente, reduzir a carga tributária, o que efetivamente pode ‘resultar em estímulo ao investimento produtivo´.

Diga-se, pois, que a receita da “racionalização” do sistema tributário como instrumento para atingir a “justiça fiscal” passa, necessariamente, pela obtenção de um sistema tributário acima de tudo estável, cujas regras não sejam alteradas a toda hora.

Ou seja, deve-se buscar um sistema que facilite uma ação de fiscalização eficiente pelo Estado, na qual a certeza da punição terá por ‘efeito inibir a conduta ilícita do ‘contribuinte”, de modo a tornar a sonegação e a inadimplência fatos excepcionais, como deveriam ser.

A solução, que nos parece óbvia, passa pela redução substancial do número de tributos e do contingente de contribuintes “diretos” e, na medida do possível, pela redução da carga tributária global (ainda que isto eventualmente implique aumento isolado da carga tributária de alguns tributos).

Ora, nada disso consta das propostas encaminhadas ao Congresso Nacional, mas, ao contrário, há mesmo propostas que dificultam a ação fiscalizadora dos Estados e, por consequência, podem reverter em sentido contrário ao desejado. Positiva, no entanto, é a discussão aberta dessas questões, que não podem ficar restritas ao debate apenas no Congresso Nacional. Quando fontes do governo deixam claro que a prioridade é a realização da tal reforma ‘‘possível’’ – face às forças políticas que atuam como obstáculo para a realização da reforma necessária -, a participação da sociedade nesse processo democrático é imprescindível.

O risco é trocar seis por meia dúzia ou, pior ainda, sair no prejuízo…

(texto publicado originalmente na Folha de São Paulo, na edição de 10 de nov. de 1995 que, pasmem, ainda tem sua pertinência)

Marcos Bittencourt

Como Procurador do Estado de São Paulo, entre 1989 e 1997, atuou na Procuradoria Fiscal, em setor encarregado da defesa dos interesses fazendários nas ações de conhecimento (ICMS, IPVA, etc.) movidas em face do Estado de São Paulo. Entre 1998 e 2004, atuou na Procuradoria Judicial e na Procuradoria Regional de Campinas. Após 2004, experiência como autônomo e em escritório de médio porte, na área cível em geral (contratos, imobiliário, família, consumidor etc.). Capacitado como mediador judicial.

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