Esqueçam São Jorge

Uma leitura cautelosa destas eleições mostra esquerda fragmentada, direita em ascensão, crise econômica. Para quem conheceu outros momentos históricos, essa combinação é perigosa (Fernando Gabeira)

https://oglobo.globo.com/opini…/eleger-ou-derrubar-22969609…

Quem me conhece sabe que não estou nem aí para direita e esquerda. São conceitos  anacrônicos, ultrapassados. Os modelos extremados de um e outro, o comunismo e, de outro lado, o capitalismo sem freio, fracassaram. O capitalismo dos primórdios da era industrial gerou multidões de miseráveis. Os europeus lidaram com o problema nos séculos XIX e XX. A solução fácil foi exportar o subemprego para o 3º. Mundo, onde a mão de obra é barata e os direitos dos trabalhadores são poucos ou quase inexistentes. A sujeira foi para debaixo do tapete. A experiência comunista, por outro lado, mostrou que o Estado não liberta, oprime.

Nenhum dos modelos serve, é preciso encontrar um equilíbrio, impor limites ao sistema capitalista sem a opressão de um Estado intervencionista, ultra poderoso. Mais. Em um contexto global, é preciso parar de exportar pobreza para criar riqueza interna. Mas, no momento, isso é pedir demais.

Preciso admitir que  o pensamento de esquerda é mais atraente. O jovem e o idealista tendem naturalmente  à esquerda, na medida em que os seus representantes se identificam com  causas justas, como preocupação social, redistribuição de renda, direitos trabalhistas, direitos humanos,  proteção às minorias, etc.

Meu lado idealista muitas vezes me impeliu a votar em candidatos da chamada “esquerda”, em razão de simpatizar com tais bandeiras. Mas não vejo porque tais ideias não possam ser conciliadas com o pensamento associado à direita, como estado mínimo, meritocracia, mercado de consumo, etc.

Entendo  política olhando para dois princípios fundamentais, o humanismo e a democracia. Isto causa um paradoxo. Meu lado humanista me aproxima da esquerda, enquanto meu lado democrático me afasta dela. A democracia, bem ou mal, vem conseguindo conviver com o liberalismo, mas não com o radicalismo de esquerda. A extrema esquerda traz no seu âmago o vírus do autoritarismo, do paternalismo, por vezes do populismo. Fidel e papai Stalin mostraram o caminho. E tem Chaves, Maduro, Morales, todos herdeiros dos velhos ditadores das repúblicas das bananas.  E ainda aquele ridículo coreano…

Ao apoiar os regimes de Venezuela e Bolívia  os nossos petistas deixaram isto evidente. O petismo, que nasceu abraçado com a causa democrática, dela foi se afastando ao favorecer e incrementar a chamada “revolução bolivariana” na América Latina. A postura do Partido dos Trabalhadores tem enorme responsabilidade pela grave crise política que atravessamos hoje.

Evidente que o vírus do autoritarismo não é exclusividade  da esquerda radical. Ele também produziu Hitler, Mussolini, Pinochet, e os nossos generais sem carisma, mas brutos e deploráveis. Ah, sem falar em Getúlio, “o pai dos pobres”.

Então voltamos ao dilema brasileiro.

Talvez o problema não esteja em escolher entre esquerda e direita, afinal. Talvez a resposta seja rejeitar o populismo, que alimenta as candidaturas que hoje polarizam as pesquisas pré-eleitorais.

Lula ou Bolsonaro?

Ao rejeitar ambos o debate caminha para a pergunta: “Então quem? Quem pode nos tirar deste buraco?” NINGUÉM.  Ou todos nós, o eleitorado. O sistema democrático.

Estamos, pouco a pouco, aprendendo da maneira mais dolorosa a votar, conhecendo EM QUEM NÃO VOTAR. Não votar em político corrupto, em político com ficha criminal, em parlamentar que passa o mandato sem aprovar um único projeto e, em véspera de eleição, aparece sorridente pedido voto na televisão.

As pessoas esqueceram o valor da democracia. Estamos mal servidos por nossos políticos, é verdade. Nunca vimos tantos escândalos de corrupção. Mas nós só tomamos conhecimento deles porque a imprensa é livre para denunciá-los.

O lado bom é que jamais tantos políticos foram processados e condenados. Há um longo caminho a percorrer, mas só vamos melhorar quando o delito começar a não compensar para quem vê na política apenas um meio para enriquecer.

Lentamente, estamos caminhando nesse sentido.

Se o Judiciário está com a moral baixa, por conta do mau exemplo de alguns juízes, cabe lembrar que só em um regime democrático o Ministério Público e o bom Judiciário consegue trabalhar para punir o abuso de poder, os desvios de recursos públicos, as chamadas improbidades  administrativas.

Mas o eleitor se ilude e espera um “São Jorge”, um matador de dragão, um “mito”. Alguém com superpoderes, que em uma tacada conserte o país. Lamento informar, mas não existe solução fácil.

Precisamos confiar no sistema, acreditar que ele irá se auto depurar. Com o tempo. E paciência.

Perdemos uma grande oportunidade quando rejeitamos, por plebiscito, o parlamentarismo. Mas a nossa mania de esperar um Messias nos impeliu ao presidencialismo. Nossa tradição de acreditar e confiar em populistas como Getúlio, Jânio e Lula nos impediu de adotar um caminho mais fácil. Paciência, talvez algum dia consigamos corrigir este rumo.

Na hora de votar, o fundamental, do meu ponto de vista, é defender a democracia. Defender o direito de continuar votando livremente, de continuar expressando o pensamento, de ter acesso à informação. De colocar corrupto na cadeia.

Lula ou Bolsonaro? Bom, Lula não, com certeza. Falta a certidão de óbito, a ser emitida em breve pelo TSE, mas é candidatura natimorta.

Conscientemente, não voto em nenhum deles, ao menos em primeiro turno, que é a oportunidade que temos de escolher um candidato que represente nossas ideias. No segundo turno o voto é emocional, estamos todos fadados a escolher o “ruim”, para evitar o “pior”.

Do meu ponto de vista, vou escolher o que representa a menor ameaça à democracia. Em um regime de pesos e contrapesos, a esquerda pode até sonhar, mas jamais irá conseguir transformar o Brasil em uma Venezuela. Muitas forças se oporiam. A maior ameaça é aquele candidato que exala ódio, não consegue articular um único pensamento decente e que é chamado de “mito” pelos seus apoiadores. E, se não bastasse, está associado ao nefasto período da ditadura militar.

Contra ele, se o capeta se candidatar, vai ter o meu voto.

Marcos Bittencourt

Como Procurador do Estado de São Paulo, entre 1989 e 1997, atuou na Procuradoria Fiscal, em setor encarregado da defesa dos interesses fazendários nas ações de conhecimento (ICMS, IPVA, etc.) movidas em face do Estado de São Paulo. Entre 1998 e 2004, atuou na Procuradoria Judicial e na Procuradoria Regional de Campinas. Após 2004, experiência como autônomo e em escritório de médio porte, na área cível em geral (contratos, imobiliário, família, consumidor etc.). Capacitado como mediador judicial.

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