Homenagem ao meu pai, Armando Martins de Azevedo

Há exatos sessenta anos ele partiu sem nenhum aviso, em uma curva, voltando do trabalho para casa, ao colidir seu Aero Willys novinho com um caminhão que vinha no sentido contrário.

Rapaz pobre, estudante brilhante, trabalhara muito para, aos vinte e nove anos de idade, chegar àquela boa condição na carreira, com um salário de diretor de multinacional, um carro do ano fornecido pela empresa, uma esposa de boa família e um filho recém-nascido para criar.

Quem sabe um pouco de mim e fez as contas percebeu que estou falando do meu pai.

Na verdade, não se sente falta de quem nunca se conheceu.

Não é uma ausência material, talvez apenas espiritual, que é sentida através das memórias de terceiros e histórias que os outros contam.

O que poderia ter sido não fosse aquela curva escorregadia no meio do caminho?

Um de dezessete filhos de um agricultor de São Bento do Sapucaí, havia sido um estudante brilhante, concluindo o ginásio no Seminário de Taubaté. Mudou-se para São Paulo e cursou o clássico, com bolsa integral, no período noturno do Colégio São Luís, dando aulas particulares de latim e matemática para se sustentar. Escritor talentoso, ganhou um Concurso Estadual escrevendo sobre educação. Formou-se em Direito pela USP, no Largo de São Francisco, era um daqueles estudantes nota dez.

Tinha clara vocação política, revelada em sua atuação como Diretor do C.A. XI de Agosto, na gestão de seu grande amigo Luis Carlos Bettiol, foi depois Presidente da União Estadual dos Estudantes, candidato à Presidência da UNE (desistiu para se casar; no vácuo da sua candidatura foi eleito o José Serra), advogado da Federação dos Metalúrgicos do Estado de São Paulo (ajudou a instalar o Sindicato em diversas localidades, inclusive em São Carlos, onde resido), e por fim aceitara polpuda oferta de emprego da Willys do Brasil, para ali dirigir o recém criado departamento de Recursos Humanos, onde esperava conduzir boas práticas trabalhistas.

Seguiria a carreira política, como seu histórico indicava? Teria sido exilado depois do Golpe Militar? Teria sobrevivido à repressão (foram procura-lo na empresa mesmo depois de morto)? Teria participado da reconstrução democrática?

A certeza do fim naquela tarde de 31 de janeiro de 1964 torna inútil qualquer especulação.

Só sei que gostaria de ter tido a oportunidade de conhecê-lo e, por uma única vez, abraçá-lo.

Dizem que o talento costuma pular uma geração, e ao ver meu filho Armando – nomeado em homenagem ao avô  – alçando voo em sua carreira, acredito ainda mais neste mito.

Com a promessa de um fraternal abraço, que em espírito um dia entregarei, e de um beijo em minha mãe, que hoje finalmente deve estar ao seu lado, fica aqui minha homenagem à ausência que nunca senti, e à memória sempre presente de você, meu pai, Armando Martins de Azevedo.

Marcos Bittencourt

Como Procurador do Estado de São Paulo, entre 1989 e 1997, atuou na Procuradoria Fiscal, em setor encarregado da defesa dos interesses fazendários nas ações de conhecimento (ICMS, IPVA, etc.) movidas em face do Estado de São Paulo. Entre 1998 e 2004, atuou na Procuradoria Judicial e na Procuradoria Regional de Campinas. Após 2004, experiência como autônomo e em escritório de médio porte, na área cível em geral (contratos, imobiliário, família, consumidor etc.). Capacitado como mediador judicial.

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