A Luta Entre Esquerda e Direita

Preocupa-me esse momento de polarização extrema em que vivemos, onde a lógica é a de que, se você não pensa como eu, é meu inimigo. Não há meio termo, não existem soluções intermediárias, é A ou B, preto ou branco, coxinha ou mortadela. Isto decorre da equivocada noção que as pessoas têm de esquerda e direita, e da impressão de que, quem está ao centro, se encontra “em cima do muro”, é conivente com o inimigo, seja ele qual for.

Durante o século XX vendeu-se a ideia de que Direita é a corrente de pensamento associada ao liberalismo e, de outro lado, Esquerda é a corrente associada ao comunismo.

De fato, o comunismo e o anticomunismo foram as principais chagas do século passado, estão na origem do maior morticínio já visto pela humanidade e ditaram praticamente todas as relações políticas da segunda metade do século.

Mas originalmente Direita e Esquerda possuíam outro significado.

Os termos remontam à Revolução Francesa, e dizem respeito à posição dos parlamentares no salão da Assembleia Nacional, onde girondinos e jacobinos se sentavam em lados opostos, distintos como as ideias que defendiam.

Com o passar do tempo, e muito antes da Revolução Russa de 1917, a esquerda passou a ser associada à mudança, à oposição, enquanto a direita significava a manutenção da ordem, da situação em vigor.

Nem Marx, nem Adam Smith, nem Stalin, nem Hitler, nenhum deles possui relação com a origem da distinção entre Esquerda e Direita. O mesmo se diga quanto às idéias econômicas defendidas por cada extremo: economia de mercado, estatização, privatização, são todas questões irrelevantes, quando se pensa na origem da distinção. Modernamente, contudo, as pessoas associam a Esquerda ao comunismo, à estatização, e a Direita ao liberalismo, à privatização.

Neste ponto questiono: a quem interessa tais associações de ideias?

Explico melhor. Temos a tendência a simplificar demais as coisas, a achar que, se você se identifica com a Esquerda é porque comprou o “pacote completo”: marxismo, stalinismo, estatizações, expropriação do capital, propriedade coletiva, etc. Do mesmo modo, se é de Direita, é a favor da manutenção das oligarquias, dos privilégios, da desigualdade social, etc. Ou seja, se você não pensa como eu, é o inimigo. Assim, partimos para as generalizações. O sujeito se diz de esquerda, chama o seu debatedor de “nazista” ou “fascista”; se está à direita, seu oponente é comunista, defensor de Stalin, Fidel e cia.

Vamos deixar uma coisa bem clara, desde logo. Stalin e Hitler, ícones do pior de cada lado da moeda, não são de Direita nem de Esquerda. São ditadores, são criminosos. Ponto. Utilizaram-se de uma ideologia qualquer para seus próprios fins, as respectivas plataformas políticas serviram apenas de fachada para tomarem de assalto o poder. Não servem de parâmetro para qualquer análise.

A estratégia – apropriação do poder por meio de uma plataforma política qualquer – é bastante comum a outros criminosos de segunda linha, que não estão interessados em outra política senão a de se enriquecerem no poder.

A questão é: existe espaço para o bom senso, para o meio termo,  para a utilização de políticas sociais maduras e efetivas em uma economia de mercado? Gostaria de pensar que sim. Mas qual é o caminho? Não sei.

Privatizar ou estatizar? Implementar ou não determinada política social? Aumentar ou diminuir tributos?

São muitas as perguntas e nunca haverá uma única resposta, tampouco uma única cartilha onde procurá-la.

O Brasil ganhou a Copa de 70 com goleiro e meia do Fluminense, zagueiros do Santos, Vasco e Grêmio, um meia do Corinthians, mais um meia e um atacante do Santos, e outros dois do Cruzeiro e do Botafogo. Uma verdadeira seleção. Procuraram os melhores jogadores e a coisa funcionou.

Mas na política isto não funciona. Parece que só temos dois times, uma espécie de Corinthians e Palmeiras, ou Fla-Flu, de forma que só podemos convocar um time inteiro ou outro. Só tratamos e aceitamos pacotes completos.

Trata-se de privatizar? Privatizem-se todas. Ou não.

Manter sob controle estatal uma empresa estratégica? Sempre. Ou jamais. O que é mesmo estratégica?

A quem interessa esta linha de pensamento, esta polarização das ideias?

A resposta parece simples, quando se percebe que os mesmos grupos se revezam no poder há uma eternidade. Em política há um movimento pendular, que ora favorece um ou outro grupo. O momento é da suposta Direita, mas amanhã poderá ser da Esquerda fake. Mas alguém já se perguntou por que tantas alianças entre políticos de partidos que, aparentemente, seriam absolutamente incompatíveis? Por que a maioria do Congresso protege tanto Lula quanto Renan, que hoje parecem melhores amigos desde sempre?

Parece-me que somos todos inocentes quando aceitamos passivamente tal polarização de ideias, quando nos posicionamos nos extremos e deixamos um vácuo,  um buraco negro onde se escondem as verdadeiras boas ideias, baseadas no bom senso, na escolha das políticas mais adequadas a cada caso, nas intenções dos “moderados”, aqueles que hoje são discriminados por ambos os lados, posto que, ao não repudiarem o inimigo, no inimigo se transformam.

Então vamos parar com o ódio e a intolerância política, que só servem para perpetuar os mesmos de sempre no poder? Podemos discutir civilizadamente as melhores soluções, caso a caso? Podemos abolir do debate ditadores ridículos como Hitler, Stalin, Fidel e cia? Podemos abolir expressões como “esquerdopata”, “coxinha”, “mortadela” e outras, que visam tirar o foco das ideias e centrar a discussão nas pessoas?

Para mim, ser “de esquerda” significa buscar, sempre, o objetivo maior, mudança sim, em benefício coletivo e, em especial, da população mais carente, mediante a adoção de políticas que visem reduzir a desigualdade. Nada além disso. Sempre em um contexto de economia de mercado e, fundamentalmente, democrático.

Mas hoje me sinto discriminado, pois estou à direita ou à esquerda da maioria, talvez no “centro” e, por isso, sou confundido com o inimigo por ambos os lados. E os corruptos se alternando no poder…

Marcos Bittencourt

Como Procurador do Estado de São Paulo, entre 1989 e 1997, atuou na Procuradoria Fiscal, em setor encarregado da defesa dos interesses fazendários nas ações de conhecimento (ICMS, IPVA, etc.) movidas em face do Estado de São Paulo. Entre 1998 e 2004, atuou na Procuradoria Judicial e na Procuradoria Regional de Campinas. Após 2004, experiência como autônomo e em escritório de médio porte, na área cível em geral (contratos, imobiliário, família, consumidor etc.). Capacitado como mediador judicial.

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