A Justiça Nossa de Cada Dia…

É curioso que, mesmo após mais de duas décadas vivenciando o direito, ainda não tenha me deparado com uma definição satisfatória de Justiça. Percebi o fato recentemente, em conversa casual com meu filho, um curioso por excelência. Não soube dar a ele um conceito claro e preciso sobre o vocábulo, mas com facilidade mostrei-lhe – de forma dolorosa – o que é injustiça… Um leve beliscão, sem qualquer motivo (certamente ele fará por merecer um, em breve), serviu para demonstrar minha tese.

Refletindo sobre o tema, consegui entender a razão da minha dificuldade; Justiça é o repúdio ou negação da injustiça, esta sim palpável e fácil de ser percebida. É algo como perceber o seco e o molhado; a água toca a pele, estimula variadas reações sensoriais, enquanto o ar, quente ou frio, quase não é percebido; a culpa pelas sensações térmicas é atribuída ao sol, ao vento, à neve, etc…

Evidente que estas simplórias considerações não podem servir para conceituar ou definir justiça, mas explicam, em grande parte, a dificuldade de se estabelecer um conceito definitivo sobre o vocábulo.

Sei que agora é tarde, mas os romanos talvez tivessem agido melhor se houvessem escolhido um vocábulo afirmativo para conceituar o que entendemos por injustiça e, a partir daí, contraposto um vocábulo para caracterizar aquilo que entendemos por Justiça…

Mas a situação, realmente, é paradoxal: enquanto injustiça, pelo seu próprio prefixo gramatical, se define como a negação ou ausência de Justiça, é na negação ou ausência de injustiça que encontramos a melhor forma de compreender e perceber Justiça. Talvez por isso, a minha compreensão de Justiçaparte de um estrito – e leigo – significado do vocábulo justo, entendido este como sendo aquilo que serve com perfeição ou, segundo Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira, aquilo que “se ajusta ou se adapta bem”.

A partir daí, pode-se compreender Justiça como algo destinado a satisfazer a necessidade humana de viver em paz e harmonia. Daí a estabelecer um conceito definitivo e satisfatório vai uma longa distância…

Por outro lado, se a obtenção de Justiça depende da nossa capacidade de evitar a injustiça, resulta claro o caráter preventivo da lei – civil ou penal -, cujo objetivo primordial é traçar os limites entre o justo e o injusto e, nesta medida, contribuir para a não realização da injustiça.

Neste contexto, importa afirmar que Justiça é não apenas um conceito difícil, mas um objetivo na maioria dos casos inatingível – tanto em caráter individual quanto coletivo -, posto que, uma vez consumada uma injustiça (indicadapelaviolação ao regramento jurídico), tudo que resta a fazer é punir o culpado (na esfera penal, se for o caso) e/ou reparar o dano na esfera civil, o que nem sempre será possível fazer por completo ou satisfatoriamente. Exemplo cristalino é a indenização por morte: quem perdeu a vida não recebe a indenização e quem a recebe não se conforma com a falta do ente querido…Onde está a justiça?

De todo o já exposto, resulta clara a conclusão ora desejada: JUSTIÇA não é uma questão afeta apenas ao Judiciário, ao Legislativo ou aos aplicadores da lei; a sua realização, plena (e utópica), depende sobretudo da sociedade como um todo, e da sua capacidade de prevenir e EVITAR a realização da injustiça.

Marcos Bittencourt

Como Procurador do Estado de São Paulo, entre 1989 e 1997, atuou na Procuradoria Fiscal, em setor encarregado da defesa dos interesses fazendários nas ações de conhecimento (ICMS, IPVA, etc.) movidas em face do Estado de São Paulo. Entre 1998 e 2004, atuou na Procuradoria Judicial e na Procuradoria Regional de Campinas. Após 2004, experiência como autônomo e em escritório de médio porte, na área cível em geral (contratos, imobiliário, família, consumidor etc.). Capacitado como mediador judicial.

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