Há muito tempo me incomoda o modo como são estruturados tanto os concursos públicos quanto os exames da OAB.
Nem tanto pelo que é feito, mas pelo que se deixa de fazer.
Entendo que, no sistema em que se busca a escolha dos melhores, não há como evitar os exames, onde o conhecimento da matéria jurídica, nos diversos campos do Direito, deve ser o fator primordial.
Mas, especialmente em relação à OAB, o foco deveria ser buscar os mais aptos ao exercício da profissão, e nem sempre o conhecimento acumulado é o melhor parâmetro para alcançar tal objetivo.
E, mesmo nos concursos para provimento de cargo público, medir apenas a quantidade (nem sempre a qualidade) do conhecimento acumulado pode não ser a melhor estratégia. Ou a única, como na maioria dos casos.
Isto porque saber a resposta a uma questão teórica, escolhida entre alternativas de múltipla escolha, não significa saber lidar com o conhecimento na vida real, posto que o conhecimento da matéria legal deve ser não apenas interpretado, mas também aplicado a uma relação jurídica existente, real.
Acrescente-se à equação a incerteza a respeito das questões de fato, que nos processos judiciais nunca estão colocados de maneira definitiva e clara – como aparentam ser nas questões de exame – , muitas vezes tais provas não medem a efetiva capacidade do candidato para exercer a profissão ou o cargo para o qual concorre.
Não vou chegar ao extremo de dizer que as questões colocadas nos exames jurídicos são fáceis. Pelo contrário, costumam exigir muito conhecimento e muito tempo de estudo do candidato, até pela necessidade de selecionar – especialmente nos exames para provimento de cargos existentes – alguns poucos entre milhares de candidatos.
Mas a realidade do direito cobra, mesmo dos aprovados em concursos públicos, qualidades e aptidões que não são mensuradas naquelas provas.
Sem querer desmerecer os que meritoriamente são aprovados em tais concursos, a experiência demonstra que qualquer um pode ser aprovado, é questão de tempo dedicado ao estudo e, claro, mínima aptidão intelectual.
E mais.
O direito, revelado pela jurisprudência dos tribunais, é dinâmico. A interpretação e o alcance das normas jurídicas mudam diariamente em nossos tribunais, e mesmo o Supremo Tribunal Federal, por vezes, é forçado a rever e reformular os seus próprios entendimentos anteriores a respeito de determinadas questões jurídicas (v., por exemplo, a recente decisão a respeito da prisão do condenado em segunda instância, não obstante a pendência de recurso extravagante).
O modelo atual, que pede o acúmulo de conhecimento jurídico, mas não necessariamente a aptidão do candidato para interpretar e aplicar o direito normativo, talvez sirva ao interesse do candidato, na medida em que premia o esforço e a dedicação dele no estudo das matérias jurídicas.
Claro, desde que o candidato tenha tempo – e por vezes recursos financeiros – para se dedicar aos estudos.
Mas cabe observar que o modelo atual peca por favorecer uma elite financeira, jovens recém-formados que podem se dedicar com exclusividade aos estudos, e que normalmente possuem capacidade financeira para custear o pagamento dos tais cursinhos jurídicos, inacessíveis a muitos candidatos.
A falha maior, no entanto, é com o interesse público, ao não necessariamente selecionar os melhores, e tampouco os mais aptos ao exercício do cargo ou função para o qual o exame se destina.
Ainda que louvável algumas iniciativas para corrigir ou minimizar as distorções acima apontadas (por exemplo, a Escola Nacional da Magistratura e a Escola Paulista da Magistratura), creio que são válidos esforços para conceber-se um novo modelo de exames jurídicos, um que valorize não apenas o conhecimento específico da matéria, mas que também consiga avaliar as aptidões do candidato para interpretar e aplicar as normas jurídicas aos casos concretos.
Ver também Projeto experimental de estudo em matérias jurídicas. – Antena Jurídica (antenajuridica.com.br)