Mais Do Que Um Assassinato

Estudei em um colégio particular, considerado “de elite”, e a imensa maioria dos meus amigos possui um perfil, para ser polido, “conservador”. Não pretendo abrir mão de um único amigo por divergência de pensamento, quem me conhece sabe, meu mentor não é Marx, Engels ou Adam Smith. Sou discípulo de Voltaire, “não concordo com uma única palavra do que dizes, mas defenderei até o fim o teu direito de dizê-las”.

Percebendo a repercussão de minha manifestação anterior sobre o recente assassinato da vereadora carioca, quero alertar meus amigos que, se os mando “à merda”, é porque acredito ter intimidade suficiente para tanto. Para que servem os amigos se não podemos ser honestos nem com eles? Não vou xingar, nem pretendo ofender, mas desejo que minhas palavras sejam bem compreendidas.

Não defendo a exploração político partidária do lamentável episódio mencionado. Acho ridículo a Dilma sair dizendo que a morte da vereadora é mais um desdobramento do “golpe”, ou coisa semelhante. Meus amigos de esquerda, quando endossam esse tipo de posição, só estimulam a reticência das forças conservadoras, que tentam minimizar a importância do atentado à democracia que estamos testemunhando.

Ouvi amigos dizerem que este caso não é mais grave do que aquele envolvendo a juíza assassinada por milicianos, no mesmo Rio de Janeiro. Talvez. Mas como já disse, a repercussão do fato é problema da mídia, não do cidadão.

Ao cidadão cabe se posicionar contra toda e qualquer agressão às instituições e ao estado democrático de direito. Fosse o Bolsonaro a vítima de execução, em circunstâncias semelhantes, eu também estaria mostrando indignação.

Lamentavelmente, no entanto, cada um quer explorar o episódio segundo sua própria visão de mundo, acirrando ainda mais as divergências.

Amigos petistas, me entendam. Não vejo a ruína de Lula ou do PT com regozijo, como muitos de meus amigos, mas com profunda tristeza. Perdemos uma grande oportunidade para  evoluir, no sentido de conquistar uma sociedade mais justa e igualitária. Em grande parte, por culpa do próprio PT, que não soube avaliar e reconhecer os seus erros.

Amigos conservadores, me entendam. O assassinato da vereadora não pode ser minimizado, diminuído ou relativizado. Ele afeta a todos nós que desejamos um país melhor.

Um amigo me perguntou se somos tão diferentes assim, no que diz respeito ao pensamento político. Diz ele: “Defendo estudo universal, segurança pública, saúde de qualidade e meritocracia. Defendo que servidor público deva trabalhar para a população e não para partidos políticos. Defendo que não deveriam ter estabilidade de emprego e nem direito à greve. Defendo a existência de apenas 5 partidos políticos e voto facultativo. Defendo que crime hediondo seja tratado como crime hediondo e sem perdão de pena. Defendo uma justiça célere e que se acabem com milhares recursos protelatórios. Defendo o fim de sindicatos e todo o tipo de corporativismo. Defendo um Estado mínimo e eficiente. É por aí vai….
Você pensa diferente?”

Eu respondo: não sei. Eu defendo alguns objetivos básicos, a valorização do ser humano, com dignidade e justiça, bem como a redução das desigualdades. Sempre, invariavelmente, em uma democracia. Neste contexto cada coisa tem seu valor, o sindicalismo, o Estado, o Parlamento, o Direito Penal, o Poder Judiciário, todos são meios para atingir fins maiores, aqueles acima nomeados. Não rejeito qualquer boa ideia, venha de onde vier, apenas me reservo o direito de analisá-las à luz daqueles objetivos básicos.

Dito isto, leiam o que escrevi sem qualquer viés ideológico.

Não falamos de um crime qualquer. Não é o Rio de Janeiro. Nada a ver com uma posição política, esquerda ou direita. Nem é o caso de se discutir as ideias políticas dela. O assassinato da vereadora Marielle extrapola as páginas policiais, vai muito além da nossa histórica insensibilidade à violência, construída após anos de assassinatos banais nas ruas deste país.

O ato, a covarde execução da vereadora, representa verdadeira ameaça à democracia, coloca em xeque a nossa capacidade de indignação, de reação ante uma agressão à sociedade, que precisa de seus representantes eleitos para se manifestar.

Veja bem, a mera suspeita de que o ato criminoso tenha motivação política, a de calar uma voz que incomoda, já é suficiente para exigir uma pronta reação da sociedade e do Estado. Pode até ser que, ao final, o crime seja igual a tantos outros que assolam a nossa sociedade e, em particular, os cariocas. Mas isto não importa. Agora, a suspeita de que o crime tenha motivação política é muito, muito grande, e mais do que justificada ante as circunstâncias.

Repito, o que está em jogo é nossa capacidade de indignação ante uma agressão tão severa à democracia.

Marcos Bittencourt

Como Procurador do Estado de São Paulo, entre 1989 e 1997, atuou na Procuradoria Fiscal, em setor encarregado da defesa dos interesses fazendários nas ações de conhecimento (ICMS, IPVA, etc.) movidas em face do Estado de São Paulo. Entre 1998 e 2004, atuou na Procuradoria Judicial e na Procuradoria Regional de Campinas. Após 2004, experiência como autônomo e em escritório de médio porte, na área cível em geral (contratos, imobiliário, família, consumidor etc.). Capacitado como mediador judicial.

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