“A unanimidade é fatal e irremediavelmente burra”, como já decretou Nelson Rodrigues, que estaria completando 100 anos de idade.
É evidente que a famosa frase não contém juízo de valor sobre todas aquelas “verdades” que, ditas como sentenças definitivas, são aceitas pela opinião majoritária, em determinado momento (as verdades também mudam, ao sabor da ocasião). Dói admitir, mas a maioria às vezes acerta.
Mas quem aceita a opinião de terceiros, sem ao menos refletir sobre o tema colocado em questão, está sempre fadado ao erro, pelo simples fato de permitir que outros pensem por ele.
O erro de juízo ou de valor sempre existiu e sempre existirá. Afinal, uma das poucas verdades absolutas que podemos aceitar, sem maior reflexão, é a de que “errar é humano”. Mas a persistência no erro é fruto, sempre, da ausência de reflexão, da aceitação incondicional daquelas verdades definitivas, algo que, do ponto de vista do indivíduo, pode ser explicado pela necessidade que temos de sermos aceitos na coletividade, ou, de outro lado, pelas diversas formas de pressão exercidas sobre aqueles que ousam contestar tais verdades.
Pensar é perigoso e divergir mais ainda.
De todo o modo, a necessidade do indivíduo de ser aceito na sociedade, aliada a outros fatores, como a habilidade de alguns em manipular a dita opinião pública, já resultaram em inúmeros equívocos históricos, alguns deles de consequências catastróficas para a humanidade.
O nazismo e seus crimes de ódio, amparados por teorias eugênicas largamente difundidas e aceitas na Europa no início do século XX – depois manipuladas pela máquina de propaganda de Goebbels -, constituem o melhor exemplo disto.
Mas não precisamos ser tão radicais.
Imagine-se um contemporâneo de Charles Darwin, instado a emitir opinião a respeito de sua polêmica teoria da evolução. Lembre que a comunidade científica da época, ainda sob a influência de uma visão católica do mundo, rejeitava “A origem das espécies” do mesmo modo que a Igreja rejeitava qualquer pensamento herege; a obra de Darwin era quase uma heresia duplamente qualificada, posto que não apenas colidia com dogmas católicos, mas, também, desqualificava inúmeros e renomados pseudocientistas que defendiam o criacionismo como explicação para a origem do homem.
Darwin foi demonizado e ridicularizado por seus contemporâneos. Durante muito tempo, fizeram piada da idéia de que o homem descendia do macaco.
Naquele contexto, você teria a coragem de ler “A origem das espécies” antes de emitir uma opinião isenta sobre o tema? Ou, ao menos, seria capaz de resistir à tentação de concordar com seus pares, e reconhecer-se incapaz de emitir opinião por não conhecer o pensamento Darwiniano?
Pois bem. Sem comparar a relevância do tema ou fazer qualquer juízo de valor a respeito, vejo com preocupação pessoas inteligentes, que tenho em bom conceito, discutir e censurar, como autoridade no assunto, algumas decisões judiciais proferidas pelo Supremo Tribunal Federal.
Mesmo sabendo que serei crucificado por esta opinião, devo dizer que, por simples coerência lógica, na maioria das vezes é impossível, sem analisar o processo no qual foi proferida, emitir um juízo de valor a respeito de uma decisão judicial.
Não sou diferente de qualquer outro cidadão, que fica indignado com os escândalos de corrupção que periodicamente são expostos na mídia. Como a maioria, quero que todos os culpados sejam exemplarmente punidos, e que, se possível, sejam afastados da vida pública. Mas não posso aceitar a atual tendência de alguns veículos de mídia (e mesmo da chamada mídia social), de linchar publicamente réus, advogados e juízes envolvidos em certos casos notórios.
Vejam bem: o sujeito pode ser chamado de corrupto, pode parecer corrupto, pode ter cara de corrupto, mas é inocente até que se prove o contrário; se a acusação não apresentar – no curso e nos autos do processo judicial – prova irrefutável de que o acusado cometeu determinado crime, ele não pode ser condenado, ainda que o mundo inteiro esteja convencido de sua desonestidade.
Tal se dá em razão de garantias fundamentais previstas na Constituição Federal.
Aceitar o contrário, que alguém deva ser condenado porque aparenta ser desonesto, ou que um juiz deva ser influenciado em sua decisão pelo clamor popular (algo tão nefasto quanto se deixar influenciar pelas artimanhas ou influências dos poderosos), significa não dar o devido valor ao Estado Democrático de Direito.
Quem age assim merece voltar à época do Santo Ofício da Inquisição.